Era meu aniversário de 35 anos, 9 de fevereiro de 2013,
sábado de Carnaval no Brasil. Começou no ar. Estava ainda sobrevoando a África
quando a mama me mostrou seu coração: quente, vermelho, pulsante, como que
sinalizando onde aterrissar. Era o por do sol do tão sonhado continente,
extasiante como poucos, que comovia os passageiros ainda a milhares de metros
de altura. Neste momento, nossos corações se sintonizaram com o desta terra,
uma grande mãe guerreira que nos relembra de quem somos, nos atira as origens
pela cara, enquanto embarcamos sem medo em uma viagem ancestralmente familiar,
mesmo que nunca tenhamos pisado ali. O verdadeiro Carnaval se instala: o tum, tum,
tum dos corações.
Casablanca
Ao
desembarcar em Casablanca, uma figura digna de qualquer conto das mil e uma
noites segura um papel improvisado com o meu nome. No rosto, um sorriso
desdentado e a disposição para servir.
Nosso motorista tinha uma Mercedes branca clássica, que
deveria ser dos anos 60, mas sem perder o charme (para isso existe a palavra
“vintage”). Com todos a bordo, disparamos pela cidade escura sem direito a
muitas percepções... até o estacionamento ao lado da placa que destaca um nome
que me move: Dar Khalifa. A mansão, moradia de um grande Califa dos velhos
tempos, já estava quase em ruínas quando foi arrematada pelo escritor inglês
(com origens afegãs) Tahir Shah, a ponta atualmente ativa de uma grande cadeia
de majestosos contadores de histórias. Ele a transformou em uma das casas mais
encantadoras em que já estive, e também em um romance autobiográfico chamado “A casa do Califa”, onde narra sua maratona para transformar as ruínas em lar, com
direito a grandes reformas, restaurações e rituais de exorcismo de djins (uma espécie de espírito que rege
o destino de um lugar), seres nos quais todos os marroquinos acreditam
plenamente. E lá vem um dos meus autores favoritos porta afora com um sorriso
de criança e um abraço acolhedor. “Até que enfim nos conhecemos pessoalmente,
Alana!” Meu coração sai do prumo pela segunda vez. E ainda nem tinha ideia de
tudo o que nos aguardava...
Após um
longo tour por vários compartimentos da casa, com suas entradas falsas, fotografias
e quadros, arquivos preciosos, jardins de inverno, objetos inusitados e
compartimentos secretos, nos foi servida uma fabulosa refeição indiana na
pré-biblioteca, que também é sua sala de jantar. Sua esposa, Rachana, preparara
tudo com carinho e esmero notáveis, o que torna qualquer comida ainda mais
gostosa.
A madeira molhada estalava na lareira no ambiente ao lado e os
cálices de vinho não paravam de ser preenchidos. A casa do Califa é um lugar
inigualável, de alegria vibrante e entusiasmo. Com brownies, velas e palmas, cercada de amigos e familiares queridos, ainda
tive direito a fazer um pedido: mas quase não me ocorria algo que pudesse ser
mais perfeito do que o momento presente.
Poder conversar longamente com um de nossos escritores favoritos
sobre seus livros, sua família, seus pensamentos, ser presenteada com o último
exemplar impresso de uma de suas obras, vê-lo segurar o meu próprio livro e
colocá-lo em um lugar de destaque de sua estante, estar no cenário de um romance
adorado, em um novo país a ser descoberto: alegria demais para uma noite só.
Guardar na memória.
Para selar uma noite destas majestosamente, nada melhor do
que a cama do espetacular Sofitel Casablanca Tour Blanche, um verdadeiro ninho de chantili morno. A coisa que mais se aproximou da sensação de estar no útero da minha mãe
desde meu nascimento.
Na manhã seguinte, a programação era uma visita à mesquita
Hassan II, uma legendária mesquita a beira mar, adornada com mosaicos
incríveis, fontes e octógonos. A trilha sonora? O canto do muezim, chamando para a
prece.
Mas tirando a mesquita e alguns outros pontos turísticos,
Casablanca é uma cidade grande como outra qualquer. É a São Paulo do Marrocos,
com seus milhares de habitantes estressados. Portanto, não nos demoramos em
partir para o próximo destino... Obrigada Casablanca, por dar a uma das melhores noites da minha vida uma localização com um nome tão charmoso!
Um comentário:
Que experiência maravilhosa!!!
Tenho uma boa coleção de música árabe/muçulmana e vários chamados de muezims... É lindo!!!
;-)
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